Ser mãe é uma das tarefas mais árduas da humanidade. Ninguém nasce com manual de instruções para educar os filhos e, ainda que nascesse, inúmeros fatores costumam entrar em cena ao longo da vida para tirar os planos da rota: personalidade, temperamento, ambiente, educação escolar, amizades e, claro, o livre-arbítrio.
É comum que, na ânsia de tornar seus rebentos felizes, muitas mães acabem cometendo alguns errinhos que surtem, infelizmente, o efeito contrário ao desejado. Um bom exemplo, pelo menos na ficção, é o caso de Maria da Paz (Juliana Paes), a protagonista de “A Dona do Pedaço”, e sua relação com Josiane (Agatha Moreira). Além de entreter, é válido ressaltar que tramas as de Walcyr Carrasco costumam representar situações pertinentes à vida real, então a sofrência de Maria da Paz pode servir como alerta para muitas mães por aí. Saiba, a seguir, os cinco deslizes mais emblemáticos da boleira na criação de sua filha:
Não prestar atenção no caráter duvidoso da filha
Segundo especialistas, na vida real um comportamento maléfico como o de Jô aparece logo na infância. São crianças que maltratam ou até matam animais, batem nos amiguinhos, cometem perversidades com os irmãos, se rebelam e até agridem os pais quando ouvem um “não”. Muitas mães enxergam o filho como extensão de si mesmas, daí a dificuldade de acreditar que aquele doce bebê tratado com tanto carinho se transforme, na verdade, numa criatura maldosa e pouco empática.
Até mesmo transtornos de humor e traços de sociopatia e psicopatia costumam ser “varridos para baixo do tapete” em nome do amor. No entanto, educar inclui dar limites e broncas quando necessário, responsabilizar os filhos por aquilo que fazem e, principalmente, admitir que eles são como são para, a partir daí, ajudá-los e/ou buscar o auxílio necessário. Seguir a crença de que “o amor aceita tudo” é algo totalmente antiético e antipedagógico. A vida difícil de Maria da Paz provavelmente a levou a superproteger a filha e a encobrir suas travessuras, mas é preciso lembrar que proteger os filhos é função dos pais, encobrir erros, não.
Atribuir os erros da filha a terceiros
Mesmo após Jô dar todos os indícios de mau-caratismo, Maria da Paz resolveu “passar pano” para a filha ao flagrá-la na cama com Régis (Reynaldo Gianecchini). Num primeiro momento, a boleira chegou a questionar a garota se ela tinha sido “seduzida” por seu marido. Muitas vezes é mais fácil não querer enxergar os erros dos filhos e atribuí-los a terceiros. Afinal de contas, é mais confortável negar a realidade.
Porém, a mãe que age assim acaba contribuindo para formar um adulto que foge das responsabilidades, compactua com mentiras e não é nada confiável. É óbvio que não é prazeroso reconhecer os erros de quem amamos. Dói, causa frustração, dá raiva. No entanto, negá-los ou ignorá-los faz com que a pessoa não só volte a repeti-los como a se afastar de diversas oportunidades de crescer, repetindo os mesmos padrões ao longo da vida. Frases como “Minha filha é ingênua”, “A culpa é das más influências”, “Ele jamais faria algo assim sozinha” são exemplos do que ouvimos de mães que não enxergam verdadeiramente o filho que tem. O ideal é ensinar, desde cedo, que a criança se responsabilize por suas atitudes.
Não estimular a independência financeira da filha, que cresceu mimada e fútil
O fato de a mãe não lhe dar um cartão de crédito com um limite alto sempre foi motivo de rancor e raiva de Josiane, revoltada por não poder comprar as roupas e itens de luxo com que sonhava. Com essa atitude, Maria da Paz queria impedir a garota de esbanjar. No entanto, o ideal seria ter educado Josiane, desde pequena, a entender corretamente o valor das coisas e a estimulado a batalhar por sua independência financeira. Se Maria da Paz construiu um império praticamente do nada, Josiane também conseguiria se tornar uma empreendedora de sucesso.
Muitas mães têm dificuldade de ensinar a lidar com dinheiro, pois querem o filho sempre por perto e, inconscientemente, acabam prejudicando sua autonomia. Os filhos devem entender que o dinheiro é resultado do trabalho e que precisa ser utilizado sempre com consciência e responsabilidade. E, ainda, orientar que trabalhar não serve apenas para receber o salário no fim do mês, mas para se sentir produtiva, capaz, útil para a sociedade. Jovens mimados e criados distantes da realidade como Josiane tornam-se imediatistas e, em vez de se controlarem diante das adversidades, acabam encontrando dificuldades em compreender o mundo e se inserir na sociedade.
Não impor limites quando a filha sentia vergonha de sua origem humilde e de seu estilo
Na adolescência é comum que os filhos criem um certo distanciamento dos pais — e, principalmente, do colo materno — para partir em busca de experiências diferentes daquelas vividas em casa e buscar a própria identidade. No entanto, a vergonha da família extrapola o âmbito aceitável desse afastamento. É necessário sempre trabalhar com os filhos a aceitação do que somos, de nossa origem, de nossa realidade, sem permitir a negação. A criança ou jovem deve ter a visão real da vida, sem mentiras. As mães devem impor limites e exigir respeito por sua trajetória, sem se deixar que os filhos as humilhem.
Querer se vingar da filha cometendo o mesmo golpe que ela
A maioria de nós, em algum momento da vida, já sofreu tamanha puxada de tapete que nada parece mais forte do que a vontade de dar o troco. Esse sentimento, no entanto, embaça a nossa capacidade de julgamento. Em relações disfuncionais, apelar para a vingança só contribui para que o ciclo de ódio e rancor se torne mais e mais forte. É claro que, em termos de dramaturgia, desejar que Maria da Paz se vingue anima os nossos ânimos e funciona até como uma espécie de catarse, já que, pelo menos na novela, uma trambiqueira como Jô vai se ferrar.
No entanto, se pensarmos num relacionamento entre mãe e filha, que lição a boleira pode dar para Jô ao se igualar a ela em temos de vilania? Provar do próprio veneno? Sim, mas e daí? Uma conversa franca, em que as duas podem ou não se entender, e tentar resolver as coisas através do caminho correto, o da justiça, são ações bem mais leves e producentes.
Fontes: Priscila Gasparini Fernandes, psicóloga e psicanalista, de São Paulo (SP); Raquel Fernandes Marques, psicóloga da Clínica Anime, em São Paulo (SP), e Rejane Sbrissa, psicóloga clínica, de São Paulo (SP).