Bandidas, cafetinas e santas: aos 90, Fernanda elege melhores papéis na TV

Fernanda Montenegro, a maior atriz brasileira, festeja 90 anos nesta quarta-feira (16). Em plena atividade, ela será vista em breve no filme “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, que estreia no próximo dia 31.

Em maio, Fernanda atuou na primeira parte de “A Dona do Pedaço”, de Walcyr Carrasco, no papel de Dulce Ramirez, a matriarca de um dos clãs em guerra na história. A simpática vovó se revelou uma assassina feroz no desfecho do prólogo da novela.

Dulce não chega a ser citada no livro “Prólogo, ato, epílogo”, a autobiografia da atriz, lançada há algumas semanas, mas o perfil da personagem está entre os que Fernanda mais aprecia fazer na televisão, as vilãs.

Ela cita outras duas no livro. Em “Brilhante” (1981), de Gilberto Braga, a segunda novela que fez na Globo, ela foi Chica Newman, “a bandida que amava loucamente o motorista – o belo Claudio Marzo”, conta.

“As vilãs têm, como castigo, no final da história, acabar sem homem ou num hospício ou numa cadeira de rodas. Homem é brinde. É a joia da coroa. Mas nesse caso, por exigência da audiência, Chica Newman, riquíssima, acabou nos braços do apaixonado motorista”, relata Fernanda.

O final feliz para a vilã se repetiu em “Belíssima” (2005), de Silvio de Abreu. Bia Falcão terminou seus dias de maldades e crimes no bem-bom em Paris, na companhia do amante, vivido por Cauã Reymond “nos seus magníficos e belos vinte e poucos anos!”.

Outro tipo que persegue Fernanda nas novelas, e ela gosta, são as cafetinas. A atriz viveu Olga em “O Dono do Mundo” (1991), de Gilberto Braga, e foi Jacutinga, em “Renascer” (1993), de Benedito Ruy Barbosa.

“Gosto de interpretar cafetinas. Elas, nessas histórias, têm sempre uma humanidade, uma aceitação da condição humana, que, guardadas as devidas proporções, lembra a das abadessas. Aliás, são também muito religiosas”, escreve.

Falando em figuras religiosas, Fernanda se recorda com carinho do papel de Nossa Senhora na minissérie “O Auto da Compadecida” (1997), de Ariano Suassuna, dirigida por Guel Arraes. “Uma direção também referencial. Sou-lhe eternamente grata por esse convite. Era a Nossa Senhora da minha infância, do quadrinho na parede, da medalhinha”, escreve.

E acrescenta: “A propósito, sou mariana – com muita unção – porque vejo em Maria a primeira feminista poderosamente atuante ao dar a Deus permissão de lhe gerar um filho nas entranhas: ‘Faça em mim segundo a Sua vontade’.”

Fernanda fala, ainda, com carinho de Luiz Fernando Carvalho, pela “saudosa parceria” em vários trabalhos (além de novelas, “Riacho Doce, “A Pedro do Reino” e “Hoje É Dia de Maria”). Festeja também a parceria com Jorge Furtado em “Doce de Mãe” (2012), que lhe rendeu um Emmy Internacional de melhor atriz.

E fala bastante da famosa cena com Paulo Autran em “Guerra dos Sexos” (1983 ), do “inspiradíssimo” Silvio de Abreu. Escreve Fernanda: “Dentre as centenas de cenas que gravei na TV pelos anos afora, talvez a mais lembrada seja o café da manhã com Paulo Autran de ‘Guerra dos Sexos’. Nós nunca havíamos contracenado. Vivíamos flertando com tal possibilidade. E onde aconteceu? Na televisão! Está guardado para sempre”.

Num capítulo que dedica à montagem da peça “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, de Rainer Fassbinder, em 1982, um dos grandes sucessos de sua carreira, Fernanda fala, de passagem, sobre um trabalho polêmico que fez na televisão.

A protagonista da peça, vivida pela atriz, é uma figurinista de alta costura que sofre por sua paixão não correspondida por uma outra mulher, uma jovem de nível social e cultural inferior, interpretada naquela montagem por Renata Sorrah. E elas se beijam em cena.

Escreve Fernanda: “Tampouco considerei que fosse ‘arriscado’ encenar As Lágrimas Amargas, a despeito do preconceito que a homossexualidade inspirava e ainda inspira em boa parcela do público – haja vista a repercussão em torno do beijo que minha personagem e a de Nathalia Timberg trocaram na novela ‘Babilônia’, de Gilberto Braga, em 2015.”

“Prólogo, ato, epílogo” (Companhia das Letras, 344 págs., R$ 49,90) é um verdadeiro presente de Fernanda Montenegro para quem a admira. Como escrevi antes, ela mistura recordações pessoais com lembranças de sete décadas de carreira no teatro, no cinema e na televisão.

“À TV eu devo – e não só eu – um retorno financeiro que é origem e base de uma independência econômica nesta minha velhice. Isso depois de estar a serviço de uma dramaturgia eletrônica há mais de setenta anos”, escreve ela.

A televisão aparece em sua trajetória já em janeiro de 1951, logo depois da estreia nos palcos, contratada para atuar em teleteatros na Tupi do Rio. Posteriormente, trabalhou no “Grande Teatro”, na mesma emissora. No total, esteve em mais de 400 adaptações teatrais na TV.

Fernanda ainda atuaria nos anos 1960 em novelas nas TVs Rio e Excelsior. E, em 1981, levada por Manoel Carlos, para atuar em “Baila Comigo”, iniciaria uma longa relação com a Globo, sem interrupção desde então. Foram 30 trabalhos, entre novelas, minisséries, séries e especiais, além de participações nos mais variados programas.

Não surpreende, neste sentido, o conjunto de homenagens que Fernanda tem recebido da emissora. Nas últimas duas semanas, ela deu uma excelente entrevista no Conversa com Bial, esteve no Encontro com Fátima Bernardes, foi tema de um “Globo Repórter” chocho e viu a reprise de “Central do Brasil”, filme pelo qual foi indicada ao Oscar, ser exibida na sessão mais nobre da Globo, a Tela Quente.

Parabéns, Fernanda Montenegro!

Fonte: Uol

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