“Não se destrói o patriarcado com fome”, diz nutricionista contra dietas

A nutricionista Fernanda Imamura (Foto: Reprodução/Instagram@nutrifernandaimamura)
A nutricionista Fernanda Imamura (Foto: Reprodução/Instagram@nutrifernandaimamura)

“Não se destrói o patriarcado com fome”. A frase que ganhou fama na internet nos últimos meses já pode ser vista em panos de prato e camisetas. Sua autora é a nutricionista paulista Fernanda Imamura, 25 anos, que é contra dietas restritivas.

“Quando se faz uma dieta restritiva, você passa grande parte do seu dia pensando em comida. Devido à restrição, muitas vezes, passa fome, então, não sobra energia nem tempo para pensar e fazer outras atividades como militar sobre questões importantes”, explica Fernanda, que tem especialização em transtornos alimentares.

Quer se inspirar? Anota o @ de Fernanda no Instagram (@nutrifernandaimamura). Mas não vá esperando que ela dê a você dicas para cortar esse ou aquele alimento para perder peso. Tampouco que ela dê o caminho para “preparar o corpo para o verão”.

No perfil da especialista, você vai ler que “comida sem glúten e lactose não é mais saudável”, “água com limão só se for na limonada” e que “gordofobia não é piada”. A seguir, confira trechos do bate-papo com ela.

  1. Por que você é contra dietas restritivas?

Elas são feitas para não funcionarem. Quem tenta segui-las sempre acaba frustrado, achando que o problema está na própria “falta de força de vontade”, enquanto, na verdade, são as próprias dietas que não funcionam. Existe uma indústria que lucra muito com a desinformação e o terrorismo nutricional que vivemos. Isso fica claro quando vemos dietas novas serem lançadas a cada dia e, mesmo assim, os níveis de obesidade estarem aumentando. As dietas restritivas geram um pensamento obsessivo sobre comida, estresse e ansiedade, podendo levar à compulsão alimentar. As dietas fazem com que as pessoas não confiem nos próprios corpos e se guiem por cardápios que não têm nada a ver com suas vidas e que não levam em consideração preferências, condições socioeconômicas e culturais. As pessoas se desconectam dos sinais de fome e de saciedade. De acordo Patton (1999), as dietas restritivas aumentam em 18 vezes o risco relativo de desenvolver um transtorno alimentar. Como não se consegue manter a dieta a longo prazo, acontece um efeito sanfona, em que a pessoa fica no ciclo de perda e ganho de peso, o que já foi demonstrado em estudos que é muito prejudicial para a saúde e um grande estresse para o corpo.

  1. Como criou a frase “Não se destrói o patriarcado com fome”?

Eu me inspirei no livro “O Mito da Beleza”, da Naomi Wolf (escritora americana). Nele, ela diz que “Fazer dietas é o sedativo político mais potente na história das mulheres”. Quando se faz uma dieta restritiva, você passa grande parte do dia pensando em comida. Devido à restrição, muitas vezes, passa fome, então, não sobra energia nem tempo para pensar e fazer outras atividades como trabalhar, militar sobre questões importantes, investir nos estudos. Vejo um monte de mulheres incríveis e inteligentes que gastam grande parte do tempo pensando no que vão comer ou deixar de comer, contando calorias e sofrendo por conta das restrições. Percebo que as dietas impedem que as mulheres pensem sobre coisas que realmente importam. A pressão estética sempre esteve presente na história das mulheres e tem muita relação com o patriarcado e o machismo, que sempre tentou manter as mulheres longe de posições importantes.

  1. Se não acredita em dietas, como trata seus pacientes?

Muita gente acha que, por não prescrever dietas restritivas, não trabalho a alimentação dos pacientes, mas é justamente o contrário. Trabalho questões como quantidade e qualidade da alimentação, a diferença é a abordagem que utilizo. Uso a abordagem comportamental, o que faz com que atue de maneira muito mais individualizada, levando em consideração todos os fatores relacionados à alimentação. O foco não é apenas o que a pessoa come, mas como ela come e sua relação com a comida. O acompanhamento permite que o paciente se empodere dos conhecimentos e consiga perceber a alimentação saudável como uma maneira de autocuidado e não punição.

  1. Na sua abordagem, há meta de perda de peso?

Não.

  1. Como avalia a evolução dos pacientes então?

Podemos discutir sobre peso durante as consultas, porém não temos controle sobre esse número. O que temos controle são comportamentos alimentares e estilo de vida do paciente. O número na balança pode variar por diversos motivos, como genética, peso que a pessoa manteve por mais tempo na vida, entre outros. Podemos avaliar a evolução do paciente por outros parâmetros, como exames bioquímicos, pela sua disposição, pela melhora da qualidade da alimentação, pela melhora da percepção de fome e saciedade e de sua relação com a comida e com o corpo. Por exemplo, se antes o paciente sentia muita culpa ao comer determinados alimentos e hoje consegue olhar para a comida de maneira mais neutra, respeitar seu corpo e não sentir culpa ao comer, já é uma grande evolução. Precisamos ampliar nosso olhar sobre o que é evolução.

  1. O que pensa sobre o jejum intermitente?

Alguns estudos demonstram que existe perda de peso com o jejum intermitente, porém eles usam protocolos diferentes, então, ainda não há um consenso sobre o assunto. A questão é que muitas pessoas podem não se adaptar ao jejum por ser um tipo de restrição alimentar. Ele pode causar algumas consequências negativas, como descontrole alimentar, desenvolvimento de compulsão alimentar e piora da relação com a comida. Como tem sido muito difundido na internet, a maioria das pessoas faz por conta própria e nem tem conhecimento das possíveis consequências negativas. Acho bem perigoso. Ainda acredito que o foco na mudança de comportamento seja mais positivo e sustentável do que o jejum intermitente.

  1. O que pensa sobre cortar certas substâncias como glúten mesmo sem indicação médica?

De tempos em tempos, algum alimento ou nutriente é demonizado dentro da nutrição. O glúten nada mais é do que um composto de proteínas e não é necessário retirá-lo da alimentação se você não tem problemas de saúde.

  1. O que pensa sobre a orientação comum dada a pessoas que querem perder peso de “comer de três em três horas”?

Não é necessário comer de três em três horas. O que se precisa é escutar e respeitar os sinais de fome e de saciedade. A nossa fome pode variar de acordo com cada dia e podemos ajustar nossa alimentação de acordo com os sinais que o corpo manda. Pessoas que já fizeram muitas dietas, às vezes, não conseguem perceber esses sinais internos porque por muito tempo se guiaram por sinais externos, então, é necessário da ajuda de um profissional para se reconectar a isso.

  1. É bastante comum que nutricionistas indiquem alimentos orgânicos, leites de oleaginosas, entre outros itens caros. O que pensa sobre?

A alimentação saudável tem de se ajustar a sua vida, não o contrário. Não existem alimentos premium, existem aqueles possíveis dentro da sua condição financeira, e podemos trabalhar de acordo com as possibilidades que você tem. A indústria tenta lucrar muito com essa desinformação dentro da nutrição e cria alimentos que se dizem fit e saudáveis, enquanto, na verdade muitos são ultraprocessados. Na natureza, temos opções muito mais baratas e com melhor qualidade, como legumes e frutas.

  1. Enfim, o que é uma alimentação equilibrada para você?

A alimentação saudável é aquela que respeita a cultura, as condições socioeconômicas, a rotina e as preferências de cada um. O que a pessoa come é importante, mas como ela come e sua relação com a comida é tão importante quanto. Ela necessita de um pouco de tempo e de planejamento, mas não deve ser o foco da vida da pessoa. A alimentação saudável deve priorizar os alimentos in natura e minimamente processados, e cozinhar é extremamente importante para garantir uma boa qualidade. A alimentação saudável é prazerosa e gostosa e possui diversidade, não precisa ser sem graça. Não existem alimentos bons e ruins, permitidos e proibidos, todos os alimentos são neutros e podem estar presentes em uma alimentação saudável, levando em consideração contexto, frequência e quantidades.

Fonte: Yahoo!

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