Inquérito de genocídio dos yanomamis apura conduta de garimpeiros, saúde indígena e políticos

Foto: Junior Yanomami/Condisi-YY

A investigação da PF (Polícia Federal) sobre cometimento de crime de genocídio contra o povo yanomami, determinada pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, vai se concentrar na apuração de responsabilidades de garimpeiros, operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena e agentes políticos.

O inquérito foi aberto e deve ser conduzido por policiais que atuam na superintendência da PF em Roraima, onde fica a maior parte da terra indígena e onde o garimpo ilegal mobiliza milhares de invasores no território tradicional.

O entendimento inicial de policiais é que garimpeiros –tanto os que estão explorando ouro diretamente na terra indígena quanto quem detém maquinários e aeronaves para a prática criminosa– serão investigados e eventualmente responsabilizados no inquérito de genocídio.

A investigação deve mirar funcionários em posição de chefia na área de saúde indígena dos yanomamis, vinculados ao Ministério da Saúde durante o governo Jair Bolsonaro (PL), em razão da escassez de medicamentos básicos para os indígenas, como vermífugos. Um inquérito já investiga suspeitas de fraudes e corrupção no fornecimento desses medicamentos.

A apuração deve contemplar, ainda, agentes políticos do governo Bolsonaro associados à crise sanitária em curso, com explosão de casos de malária, desnutrição de crianças e idosos e doenças evitáveis, associadas à desnutrição.

Na determinação de abertura de inquérito, Dino fez uma menção ao próprio ex-presidente. “Todo o contexto se agrava especialmente quando há registros de ex-agentes políticos em visita a garimpo ilegal em terra indígena também localizado no estado de Roraima”, disse, em referência a visita de Bolsonaro a garimpo na terra Raposa Serra do Sol em 2021.

A determinação do ministro da Justiça foi feita na última segunda-feira (23), em ofício enviado ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.

As tratativas seguintes foram no sentido de condução do caso por delegados com atuação em Roraima. Já houve instauração do inquérito, segundo fontes da PF.

A interpretação inicial é que pilotos que fazem o transporte para o garimpo, por exemplo, assumem o risco de contaminação dos rios na terra indígena, com consequência direta para a saúde dos indígenas.

O mesmo raciocínio é aplicado para coordenadores de saúde indígena que deixaram faltar medicamentos básicos para os yanomamis.

Na visão de delegados da PF que estão a par do caso, a omissão que resultou em mortes de indígenas pode configurar genocídio, e não apenas ações deliberadas para essas mortes.

No Brasil, já houve uma condenação por genocídio, e o caso também envolve a terra yanomami, a maior do país.

Em 1993, 16 yanomamis foram mortos por garimpeiros que estavam na terra indígena. O episódio ficou conhecido como massacre de Haximu.

A Justiça Federal condenou quatro garimpeiros por crime de genocídio, que consiste no extermínio de um grupo étnico. A decisão foi confirmada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2006.

Agora, um novo apontamento de genocídio é feito, decorrente das ações do governo Bolsonaro a favor da presença de garimpeiros na terra indígena e das omissões em saúde indígena.

Na gestão de Bolsonaro, a quantidade de invasores na terra indígena explodiu e ultrapassa 20 mil pessoas, segundo associações de indígenas. O governo desrespeitou sucessivas decisões judiciais que determinaram a retirada dos garimpeiros.

A desassistência em saúde levou a uma crise sanitária no território, com indígenas com graves quadros de desnutrição e surtos de malária.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças yanomamis morreram em 2022 em decorrência dos impactos do garimpo ilegal. As mortes ocorreram por desnutrição, diarreia, pneumonia e outras doenças, conforme a pasta. As crianças tinham entre um e quatro anos de idade.

Em menos de dois anos, foram 44 mil casos de malária na terra yanomami, onde vivem 28 mil indígenas. Mais da metade das crianças está desnutrida, segundo o MPF (Ministério Público Federal). Em comunidades mais isoladas, o índice chega a 80%.

Houve escassez profunda de medicamentos para combater verminoses, com suspeitas de fraude e corrupção investigadas pela PF. O não fornecimento de vermífugos deixou mais de 10 mil crianças yanomamis desassistidas, segundo a PF.

O inquérito sobre crime de genocídio investigará ainda omissão de socorro, crimes ambientais e outros delitos, conforme o ofício assinado pelo ministro da Justiça.

O governo Lula (PT) declarou emergência em saúde pública e criou um comitê de coordenação nacional para enfrentamento à desassistência sanitária na terra yanomami.

Em 1948, a recém-criada ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou a Convenção para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, definido em duas partes.

Uma delas é a “intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal”. A outra parte lista cinco condutas que, se praticadas com essa intenção, configuram o crime de genocídio. São elas:

a) matar membros do grupo;

b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo;

e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

A convenção da ONU passou a valer no Brasil em 1952 e, quatro anos depois, o então presidente Juscelino Kubitschek sancionou a lei 2.889/1956, que define e pune o crime de genocídio.

A lei brasileira repete os termos das Nações Unidas e acrescenta algumas regras específicas, como as penas aplicáveis: a mínima não fica abaixo de dois anos de prisão (nos casos de lesão grave ou transferência forçada) e a máxima pode chegar a 30 anos (no caso de morte).

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